Em 12 de junho Dia Nacional (instituído pela Lei Nº 11.542/2007) e Mundial (instituído pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2002) contra o Trabalho Infantil as pessoas se mobilizam, falam acerca desse tema, mas à medida que os dias vão passando, outras agendas vão surgindo atreladas a dinâmica intensa do dia a dia e as pessoas tendem a falar menos, a incidir menos, algumas (sem medo de errar) até se esquecem.
Mas as crianças e os adolescentes que trabalham, não. Eles procuram por respostas e enchem o peito de esperança por uma trajetória diferente, onde possam viver a infância e a adolescência em sua plenitude. Imagino que elas fiquem se perguntando: -Por que preciso trabalhar e não posso brincar? Por que meu tempo precisa ser investido em algo que está atrelado ao adulto? Para a criança e o adolescente que trabalha o estudar, a convivência com seus pares, o tempo de descanso, a saúde e, a segurança são fortemente afetados. Uma vez ouvi o relato de uma jovem sobre o trabalho infantil no lugar onde morava. Segundo ela os meninos trabalhavam na roça, ficavam horas, as vezes o dia todo na atividade laboral e quando voltavam para casa já estavam tão cansados que não conseguiam mais estudar ou ir para a escola. Já os meninos falavam sobre os acidentes que as vezes ocorriam ao longo da jornada de trabalho. Esse é um exemplo do trabalho infantil no contexto rural, mas sabemos que ele se apresenta em várias outras modalidades também no contexto urbano.
Eu sei que a gente se acostuma, mas não devia, diz Marina Colasanti (1996) em sua crônica Eu sei, mas não devia. A autora ainda ressalta que a gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer, para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Mas não devíamos, como ela sabiamente salienta. Mesmo porque, as principais consequências do trabalho infantil estão na reprodução do ciclo de pobreza; evasão escolar; esforços físicos intensos e acidentes durante o trabalho que geram impacto negativo sobre a saúde e o desenvolvimento de crianças e de adolescentes.
Então, não devemos nos acostumar, aceitar, naturalizar ou a ter como verdades alguns mitos que buscam justificar o trabalho infantil. Temos clareza de que várias circunstancias corroboram para sua existência, como por exemplo: o desemprego ou emprego precarizado, uma das principais causas da insuficiência de renda familiar, comprometendo a sustentabilidade doméstica de acordo com ChildFund Brasil (2020).
Dados demonstram uma realidade penosa. Em 2019 de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PnadC) havia 1,8 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil. No período de 2007 e 2019, no Brasil, 279 crianças e adolescentes de 5 a 17 anos morreram e 27.924 sofreram acidentes graves enquanto trabalhavam de acordo com Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan (2019). No estado de Minas Gerais no ano de 2019, foram notificados 134 casos de acidente de trabalho grave envolvendo crianças e adolescentes na faixa etária de 5 a 17 anos. O trabalho infantil é uma violação dos direitos humanos de crianças e de adolescentes.
De acordo com a legislação brasileira, crianças abaixo de 16 anos não podem trabalhar. Com ressalva para a condição de aprendiz a partir dos 14 anos de idade. A partir dos 16 anos o trabalho é permitido desde que não seja em condições insalubres, perigosas ou no período noturno. Nesses casos, é terminantemente proibido até os 18 anos.
A Organização das Nações Unidas (ONU) elegeu 2021 como o Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil. Por meio de resolução a ONU destaca os compromissos dos Estados-membros em tomar medidas imediatas e efetivas para erradicar o trabalho forçado; além de acabar com a escravidão e tráfico de seres humanos; proibir e eliminar as piores formas de trabalho infantil tendo em vista acabar com todas as formas de trabalho infantil até 2025. Há um longo caminho a ser percorrido, considerando a necessidade de investimento na educação de qualidade para crianças e adolescentes; geração de renda para as famílias com a efetivação de trabalho decente para os adultos; fortalecimento das ações de proteção infantil; a articulação entre os atores do sistema de garantia de direitos; promoção de espaços onde a sociedade possa se inteirar acerca dessa realidade para poder incidir em favor das crianças e dos adolescentes. Vamos nos unir por essa causa? Vamos trabalhar para que não haja mais trabalho infantil?
CHILDFUND BRASIL. Os efeitos da pobreza na vida das crianças brasileiras. Belo Horizonte, 2020
COLASANTI, Marina. Eu sei, mas não devia. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI). Mais de 46 mil crianças e adolescentes sofreram acidentes de trabalho nos últimos 12 anos no país. 2020. Acesso em 06 jun. 2020. Disponível em https://fnpeti.org.br/12dejunho/#trabalho-infantil
Por: Karla Corrêa, Psicóloga, Mestre em Ciências Sociais, Coordenadora Desenvolvimento Social e Proteção Infantil do ChildFund Brasil.
Para: Jornal Fala Criança
Em: 30/07/2021